sábado, 14 de outubro de 2006

Vamos dar um tempo?

Minha mãe teve uma máquina de lavar azul que faz parte das minhas lembranças infantis. Lembro até do dia em que ela chegou. Durou quinze anos. Serviu bravamente todo santo dia. Deu conta das roupas, toalhas e lençóis de uma família de, pelo menos, seis pessoas! Meu último computador doméstico foi comprado em 2002. Só eu o utilizo. Já está velho...

Agora, com quatro anos de uso, um eletrodoméstico é considerado velho. Eletrodoméstico? Sim, um eletrodoméstico! Afinal, o PC me é tão útil quanto o liquidificador ou a geladeira. Por analogia, a Eletrolux ou a Arno são tão importantes quanto a Microsoft.

Mas parece que para o resto do mundo não. Permite-se que um único homem empurre o mundo todo para frente, para o futuro tecnológico. E dizem que o Windows Vista é lindo de morrer. E dizem que todo mundo vai ter que jogar suas velhas máquinas fora para poder alcançá-lo. Será? Dizem também que valerá uma fortuna. O tal homem precisa de mais dinheiro.

Faz tempo que minha ficha vem caindo. Quando percebi que tinha e queria muito mais do que precisava, fui me dando conta. Quando percebi que tinha muito mais do que merecia e, à medida que queria mais e mais, merecia menos e menos. Mas nem sempre a culpa era minha. Era mais uma vítima da falta de bom senso geral. É ela a bruxa malvada que nos impele a progredir e melhorar e avançar e crescer... Por fora.

Esforços sobre-humanos, horas extras, noites mal dormidas, sonos interrompidos, finais de semana sem ver a cor da rua. Em nome de mais conforto. Mas que raio de conforto é esse que causa estafa? Em nome de ter. Mas que raio de ter é esse que me tira tanto? Tanta energia, horas de lazer, bate-papo com amigos, ver o rosto de minha mãe, e o meu próprio, amadurecendo. Olhei em volta e vi muita gente no mesmo ritmo. Zumbis da era pós-moderna. Sem cor nem sorriso no rosto e sem sangue correndo nas veias. Alguns até com o bolso cheio, mas sem tempo e (boas) idéias de como gastar o fruto, ainda verde, de tanto sacrifício.

Parei tudo. Resolvi ter menos e merecer mais. Desacelerei. Larguei a auto-escola. Não preciso dela. Não preciso dirigir. O dinheiro do IPVA, do seguro, da vistoria, do estacionamento, da multa, do guarda..., gasto para que me levem e me tragam, e ainda sobra. Leio na ida para o trabalho e durmo na volta da balada. Chego sã e salva de muitos problemas.

Limpei meu guarda-roupa de coisas que outras pessoas podiam precisar mais do que eu. Sob meu pequeno teto está a medida justa para oferecer abrigo para mim e para os amigos que aparecerem. Nem um metro quadrado a mais, nem a menos. Na minha bolsa, carrego apenas o que minha coluna pode suportar. Pelo meu esôfago passa apenas o suficiente para me satisfazer, tudo que entra é bom e não pesa demais.

Parei de querer crescer por fora e resolvi crescer por dentro. O mundo precisa mais de pessoas germinando por dentro do que enriquecendo por fora. Já jogamos muitas coisas fora com essa história de progresso. Tempo, florestas, gente, água, amizade, ar, emoções. Não preciso aparecer na TV como exemplo de jovem empreendedor. Meu projeto promissor é meu compromisso com o crescimento da empresa que abri no dia em que nasci e as pessoas que me ajudaram e ajudam a mantê-la funcionando. Seja física, mental & espiritualmente. Nada que a matéria possa proporcionar. Nada como o cheirinho do feijão ao abrir a porta da casa que vai ser sempre sua. Nada como um banho refrescante depois de um engarrafamento traumático. Como se jogar no sofá e dormir vendo tv. Uma história engraçada contada pelo amigo estressado. Uma cantada inteligente, ou como o abraço da pessoa que se ama. A gente podia respirar um pouco mais. Acalmar o fluxo de pensamento que não nos deixa ver as coisas com clareza e separar o joio do trigo. A gente podia dar um tempo. Podia não?

Photo by myself: Guaratiba, 2008!

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